Arquivo mensal: março 2009

FHC expõe em artigo o drama da oposição ‘anti-Lula’

Lula frequenta o gramado da política como palmeira solitária. Falta à oposição um discurso capaz de perfurar o escudo de superpopularidade que o reveste.
Em artigo veiculado neste domingo (veja na íntegra, abaixo), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como que desnuda o drama dos opositores de Lula.
FHC analisa os movimentos de Lula, reconhece o desnorteio da oposição e insinua que não será fácil erigir o discurso do contraponto.
O presidente de honra do PSDB identifica um fenômeno novo: “O descolamento entre a política e a realidade das pessoas”.
Anota o obvio: “As oposições, além de articularem um discurso programático […], deverão expressá-lo de forma a sensibilizar o eleitorado”.
Acha que, para se contrapor a Lula, já “não basta a crítica convencional e a discussão da política, tal como ela ocorre no Congresso, nos partidos e na mídia”.
Escreve que “é preciso buscar os temas da vida que interessem ao povo”. E expõe um dos dramas da oposição: a indefinição quanto ao candidato de 2010.
Sabe-se que FHC prefere José Serra a Aécio Neves. Mas, por razões obvias, ele evita explicitar sua predileção no artigo.
Limita-se a repisar a debilidade. Diz que “a comunicação emotiva [da plataforma oposicionista] requer ‘fulanizar’ a disputa”.
Por que? “Para atribuir ao candidato virtudes que despertem o entusiasmo e a crença” da platéia.
Na abertura do artigo, FHC ironiza Lula: “Andou na moda falar de decoupling para dizer, em simples português, descolamento entre a economia brasileira e a internacional…”
“…Os efeitos da crise em nossa economia fizeram o termo sair de moda. Foi substituído por expressão mais terna, marolinha”.
Para FHC, “o sistema financeiro central quebrou”. Mas, no Brasil, “o governo prefere passar em marcha batida sobre o que nos azucrina”.
Afirma que Lula “faz o decoupling à moda brasileira: descola a economia da política, precipita o debate eleitoral e, nele, vale o discurso vazio”.
Na sequência, faz uma analogia com a “campanha bolivariana pela reeleição perpétua, uma quase caricatura da política”.
“O significado da democracia se esboroou na ‘consulta popular’. Se o povo quer o bem-amado para sempre, pois que o tenha e, como disse nosso presidente Lula…”
“…Se a prática ainda não é boa para o Brasil é questão de tempo. Quando a cidadania amadurecer encontrará a fórmula de felicidade perpétua”.
FHC conta que assistiu pela TV, “por acasado”, ao último comício de Hugo Chávez. “Confesso, fascinei-me…”
“…Ele chegou, simpático como sempre, um pouco mais gordo que o habitual, vestindo camisa-de-meia vermelha, abraçando a toda gente, sorrindo…”
“…Foi direto ao ponto: ‘Hoje não falarei muito, vamos cantar!’. E entoou uma canção amorosa de melodia fácil, repetindo o refrão ‘amor, amor, amor…’
…Falou familiarmente com a plateia e finalizou: amor é votar sim no domingo! […] Não pude deixar de reconhecer no estilo algo que nos é habitual: o modelo Chacrinha de animação de auditório. Funciona, e como!”
No dizer de FHC, o “descolamento entre a política e a realidade”, embora irracional, “liga o ator com a plateia e com a sociedade”.
FHC prossegue: “Há algo de encantatório no modo pelo qual a política do gesto sem palavras […] funciona substituindo o discurso tradicional”.
Da Venezuela, FHC saltou para os EUA. Comparou a cerimônia de posse Barack Obama “como Imperador de todos os americanos […]” a “uma grande cena romana”.
Mencionou o discurso feito por Obama na primeira visita dele ao Congresso. “O que foi dito sobre a crise econômica e sobre o futuro foi menos importante do que o reafirmar o ‘yes, we can’ […]”
Acrescentou: “Mesmo que o castelo financeiro esteja desabando, a América vencerá, era a mensagem”.
Em vez do discurso à Chacrinha”, que atribuiu a CHávez, FHC anotou que, no caso de Obama, “o símile é outro:…”
“…A invocação do pastor, a reafirmação da fé, e não a troca simbólica de favores, do bacalhau, da bolsa família ou da canção de amor”.
De resto, FHC manifesta o receio de que o mesmo “possa vir a ocorrer no Brasil”. E reproduz a pergunta que embatuca a oposição: “Que discurso fazer?”
Identificou na entrevista de Jarbas Vasconcelos traços de um discurso “racional”, que expõe o “desmanche das instituições” e o “enlameamento cotidiano da política”.
Resolve? Acha que não. Bate no ouvido e volta. “É como nos computadores quando se envia um e-mail e surge o aviso: a caixa está cheia”.
O que fazer? A resposta de FHC revela mais dúvidas do que certezas: As legendas de oposição “precisam inventar uma maneira de comunicar a indignação e as críticas que toque na alma das pessoas. Este é o enigma da mensagem política”.
Como se vê, nem mesmo o luminar do tucanato, espécie de oráculo da oposição, sabe ao certo o que fazer para erigir um dicurso alternativo ao de Lula.
De concreto, apenas a convicção de que é preciso “fulanizar a disputa”, definindo o nome do adversário de Dilma Rousseff.
Alguém capaz de despertar o “entusiasmo” do bacalhau e a “crença” do pregador. Sem esses ingredientes, constata, “a caixa de entrada das mensagens da sociedade continuará a dar o sinal de estar cheia […]”.
Por Josias de Sousa

O gesto e a palavra

Andou na moda falar de decoupling para dizer, em simples português, descolamento entre a economia brasileira e a internacional. Os efeitos da crise em nossa economia fizeram o termo sair de moda. Foi substituído por expressão mais terna, marolinha. Com o bicho-papão corroendo o mercado financeiro lá fora (na verdade o sistema financeiro central quebrou) há certo aturdimento. Não se sabe com que palavras qualificar o que anda pelo mundo: recessão prolongada, depressão, fim do unilateralismo americano na política, multipolaridade, não polaridade, etc. Por aqui o governo prefere passar em marcha batida sobre o que nos azucrina.

Em vez de desenhar quadros sombrios ou róseos para o mercado, faz o decoupling à moda brasileira: descola a economia da política, precipita o debate eleitoral e, nele, vale o discurso vazio.

É verdade que não somos os únicos a encobrir as angústias apelando a gestos sem conotação, sequer alusiva, aos fatos e circunstâncias. Basta mencionar a campanha bolivariana pela reeleição perpétua, uma quase caricatura da política. O significado da democracia se esboroou na “consulta popular”. Se o povo quer o bem-amado para sempre, pois que o tenha e, como disse nosso presidente Lula, se a prática ainda não é boa para o Brasil é questão de tempo. Quando a cidadania amadurecer encontrará a fórmula de felicidade perpétua…

Assisti na TV, por acaso, o último comício eleitoral do presidente Chavez em Caracas e, confesso, fascinei-me. Ele chegou, simpático como sempre, um pouco mais gordo que o habitual, vestindo camisa-de-meia vermelha, abraçando a toda gente, sorrindo, e foi direto ao ponto: “hoje não falarei muito, vamos cantar!”disse. E entoou uma canção amorosa de melodia fácil, repetindo o refrão “amor, amor, amor…” Conversou com um ou outro no palanque incitando-o a também cantar, falou familiarmente com a plateia e finalizou: amor é votar sim no domingo! Por mais que no plano pessoal possa sentir até estima pelo personagem, não pude deixar de reconhecer no estilo algo que nos é habitual: o modelo Chacrinha de animação de auditório. Funciona, e como!

O descolamento entre a política e a realidade das pessoas (não só a economia), a repetição simbólica de gestos que guardam pouca relação com um ambiente racional, mas “ligam” o ator com a plateia e com a “sociedade”, está se tornando regra nas atuais democracias de massas.

Há algo de encantatório no modo pelo qual a política do gesto sem palavras (ou no quais as palavras contam menos do que a forma) funciona substituindo o discurso tradicional. Quando me recordo do “sangue, suor e lágrimas” dito por Churchill ao tornar-se primeiro-ministro em plena guerra contra o nazismo, do discurso em Fulton quando disse que uma “Cortina de Ferro descia sobre a Europa”, ou de vários pronunciamentos de Roosevelt como o de posse em plena Depressão, célebre pela frase “nada há a temer, exceto o próprio medo” ou ainda de Getúlio Vargas no estádio do Vasco da Gama apelando aos trabalhadores, e comparo com a retórica atual, há um abismo a separá-los.

E não se diga que é fenômeno de países de “democracia pouco amadurecida”. A entronização de Obama como Imperador de todos os americanos, na magnífica posse no Capitólio, se assemelhava a uma grande cena romana. O cenário era tão expressivo, a fusão simbólica do recém eleito com os founding fathers e com os valores fundamentais da democracia americana eram tão fortes, que obscureceram o conteúdo do discurso inaugural. E isso no caso de alguém que, por sua cor e mesmo por sua campanha, trouxe um significado imenso de renovação.

Ainda esta semana, na primeira visita presidencial ao Congresso, o que foi dito sobre a crise econômica e sobre o futuro foi menos importante do que o reafirmar o “yes, we can”, em um cenário da pátria unida para perpetuar sua glória. Mesmo que o castelo financeiro esteja desabando, a América vencerá, era a mensagem. No caso, nada a ver com Chacrinha, o símile é outro: a invocação do pastor, a reafirmação da fé, e não a troca simbólica de favores, do bacalhau, da bolsa família ou da canção de amor.

Faço esses comentários despretensiosos porque me preocupa o que possa vir a ocorrer no Brasil. A mídia e a sociedade cobram um discurso de oposição. Diz-se, e é certo, que ela deve unir-se se quiser vencer. Mas, que discurso fazer? O racional, da crítica ao desmanche das instituições, do enlameamento cotidiano da política, deveria ganhar mais vigor, dizem. O grito de Jarbas Vasconcellos estava parado no ar e sua entrevista em VEJA deu-lhe um sopro de vida. Mas foi o próprio senador quem mostrou os limites desse tipo de protesto: o governo e o próprio presidente banalizaram o dá-cá-toma-lá. É como nos computadores quando se envia um e-mail e surge o aviso: a caixa está cheia. A caixa da revolta dos brasileiros contra o mau uso da política parece estar cheia. Temo que qualquer discurso “político” seja logo desqualificado pelos ouvintes.

Quer isso dizer que as oposições devam silenciar sobre a perda de substância das instituições, sobre o clientelismo e a corrupção larvar, tudo com a leniência de quem manda? Não. Mas precisam inventar uma maneira de comunicar a indignação e as críticas que toque na alma das pessoas.

Este é o enigma da mensagem política, de governo ou de oposição. Tanto o modelo-chacrinha como o do discurso de pregador chega à alma das pessoas. Não estou dizendo que a comunicação política se resolve pela supressão do discurso analítico. Isso seria rendermo-nos a ideia da política como mistificação (o que, aliás, não é o caso de Obama). Mas quando se dispõe de um ícone, como o Plano Real, por exemplo, ou quando o próprio candidato é um ícone, tudo fica mais fácil.

Em nosso caso, as oposições, além de articularem um discurso programático, condição necessária para quem se respeita e acredita nas instituições, deverão expressá-lo de forma a sensibilizar o eleitorado. Para tal, não basta a crítica convencional e a discussão da política, tal como ela ocorre no Congresso, nos partidos e na mídia. É preciso buscar os temas da vida que interessem ao povo.

Ademais a comunicação emotiva requer “fulanizar” a disputa para atribuir ao candidato virtudes que despertem o entusiasmo e a crença. Sem eles, a “caixa de entrada” das mensagens da sociedade continuará a dar o sinal de estar cheia e os ouvidos continuarão moucos aos conteúdos, por melhores que sejam. Pior ainda se não os tivermos. Mas só eles não bastam. Programa político só mobiliza a sociedade quando é vivido por intermédio do desempenho de personagens que tratam como próprias as questões sentidas pelo povo.

Por Fernando Henrique Cardoso

A desmoralização da mentira

Imagino que muita gente ainda se lembre de Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara.
Os dois pugilistas cubanos tentaram desertar durante os Jogos Panamericanos do Rio de janeiro em julho de 2007. Pretendiam seguir para a Alemanha, já com promessa de contrato.
Entretanto, foram presos pela Polícia Federal e imediatamente deportados. Um avião posto à disposição do governo cubano pelo presidente da Venezuela Hugo Cháves levou os pugilistas de volta para Cuba.
Criticado pela sofreguidão do governo brasileiro em “prestar um favor” a Fidel Castro, o ministro da Justiça Tarso Genro declarou que os cubanos tinham expressado a vontade de voltar para a casa, para a família.
Em Cuba, os pugilistas foram sumariamente excluídos da seleção nacional de Cuba e proibidos até de treinar.
Pois a farsa não durou nem seis meses. Erislandy Lara fugiu para a Alemanha, deixando a família para trás.
Recentemente, o caso dos dois cubanos voltou ao noticiário no Brasil, depois que o ministro da Justiça, contrariando todos os pareceres e decisões de instâncias especializadas, decidiu, monocraticamente, conceder status de refugiado político ao italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país por ter cometido quatro assassinatos.
Sua Excelência o ministro Tarso Genro continuou sustentando a farsa de que os cubanos estavam doidinhos para voltar para casa, mortos de saudade das famílias.
Esta semana, a farsa desmoronou de vez. Guillermo Rigondeaux também fugiu, deixando mulher e filho — a mulher apoiou inteiramente a fuga. Está na Flórida e parte em breve para a Alemanha, para se reunir a outros pugilistas cubanos, Erislandy Lara entre eles.
E agora, o que se pode dizer das afirmações categóricas do ministro da Justiça? No mínimo, que sua Excelência mantém relações cerimoniosas com a verdade.
Não sei não, mas certas pessoas não desmoralizam apenas a verdade. Conseguem desmoralizar a mentira.
Por Lúcia Hippolito (cientista política)

FHC expõe em artigo o drama da oposição ‘anti-Lula’

Lula frequenta o gramado da política como palmeira solitária. Falta à oposição um discurso capaz de perfurar o escudo de superpopularidade que o reveste.
Em artigo veiculado neste domingo (veja na íntegra, abaixo), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como que desnuda o drama dos opositores de Lula.
FHC analisa os movimentos de Lula, reconhece o desnorteio da oposição e insinua que não será fácil erigir o discurso do contraponto.
O presidente de honra do PSDB identifica um fenômeno novo: “O descolamento entre a política e a realidade das pessoas”.
Anota o obvio: “As oposições, além de articularem um discurso programático […], deverão expressá-lo de forma a sensibilizar o eleitorado”.
Acha que, para se contrapor a Lula, já “não basta a crítica convencional e a discussão da política, tal como ela ocorre no Congresso, nos partidos e na mídia”.
Escreve que “é preciso buscar os temas da vida que interessem ao povo”. E expõe um dos dramas da oposição: a indefinição quanto ao candidato de 2010.
Sabe-se que FHC prefere José Serra a Aécio Neves. Mas, por razões obvias, ele evita explicitar sua predileção no artigo.
Limita-se a repisar a debilidade. Diz que “a comunicação emotiva [da plataforma oposicionista] requer ‘fulanizar’ a disputa”.
Por que? “Para atribuir ao candidato virtudes que despertem o entusiasmo e a crença” da platéia.
Na abertura do artigo, FHC ironiza Lula: “Andou na moda falar de decoupling para dizer, em simples português, descolamento entre a economia brasileira e a internacional…”
“…Os efeitos da crise em nossa economia fizeram o termo sair de moda. Foi substituído por expressão mais terna, marolinha”.
Para FHC, “o sistema financeiro central quebrou”. Mas, no Brasil, “o governo prefere passar em marcha batida sobre o que nos azucrina”.
Afirma que Lula “faz o decoupling à moda brasileira: descola a economia da política, precipita o debate eleitoral e, nele, vale o discurso vazio”.
Na sequência, faz uma analogia com a “campanha bolivariana pela reeleição perpétua, uma quase caricatura da política”.
“O significado da democracia se esboroou na ‘consulta popular’. Se o povo quer o bem-amado para sempre, pois que o tenha e, como disse nosso presidente Lula…”
“…Se a prática ainda não é boa para o Brasil é questão de tempo. Quando a cidadania amadurecer encontrará a fórmula de felicidade perpétua”.
FHC conta que assistiu pela TV, “por acasado”, ao último comício de Hugo Chávez. “Confesso, fascinei-me…”
“…Ele chegou, simpático como sempre, um pouco mais gordo que o habitual, vestindo camisa-de-meia vermelha, abraçando a toda gente, sorrindo…”
“…Foi direto ao ponto: ‘Hoje não falarei muito, vamos cantar!’. E entoou uma canção amorosa de melodia fácil, repetindo o refrão ‘amor, amor, amor…’
…Falou familiarmente com a plateia e finalizou: amor é votar sim no domingo! […] Não pude deixar de reconhecer no estilo algo que nos é habitual: o modelo Chacrinha de animação de auditório. Funciona, e como!”
No dizer de FHC, o “descolamento entre a política e a realidade”, embora irracional, “liga o ator com a plateia e com a sociedade”.
FHC prossegue: “Há algo de encantatório no modo pelo qual a política do gesto sem palavras […] funciona substituindo o discurso tradicional”.
Da Venezuela, FHC saltou para os EUA. Comparou a cerimônia de posse Barack Obama “como Imperador de todos os americanos […]” a “uma grande cena romana”.
Mencionou o discurso feito por Obama na primeira visita dele ao Congresso. “O que foi dito sobre a crise econômica e sobre o futuro foi menos importante do que o reafirmar o ‘yes, we can’ […]”
Acrescentou: “Mesmo que o castelo financeiro esteja desabando, a América vencerá, era a mensagem”.
Em vez do discurso à Chacrinha”, que atribuiu a CHávez, FHC anotou que, no caso de Obama, “o símile é outro:…”
“…A invocação do pastor, a reafirmação da fé, e não a troca simbólica de favores, do bacalhau, da bolsa família ou da canção de amor”.
De resto, FHC manifesta o receio de que o mesmo “possa vir a ocorrer no Brasil”. E reproduz a pergunta que embatuca a oposição: “Que discurso fazer?”
Identificou na entrevista de Jarbas Vasconcelos traços de um discurso “racional”, que expõe o “desmanche das instituições” e o “enlameamento cotidiano da política”.
Resolve? Acha que não. Bate no ouvido e volta. “É como nos computadores quando se envia um e-mail e surge o aviso: a caixa está cheia”.
O que fazer? A resposta de FHC revela mais dúvidas do que certezas: As legendas de oposição “precisam inventar uma maneira de comunicar a indignação e as críticas que toque na alma das pessoas. Este é o enigma da mensagem política”.
Como se vê, nem mesmo o luminar do tucanato, espécie de oráculo da oposição, sabe ao certo o que fazer para erigir um dicurso alternativo ao de Lula.
De concreto, apenas a convicção de que é preciso “fulanizar a disputa”, definindo o nome do adversário de Dilma Rousseff.
Alguém capaz de despertar o “entusiasmo” do bacalhau e a “crença” do pregador. Sem esses ingredientes, constata, “a caixa de entrada das mensagens da sociedade continuará a dar o sinal de estar cheia […]”.
Por Josias de Sousa

O gesto e a palavra

Andou na moda falar de decoupling para dizer, em simples português, descolamento entre a economia brasileira e a internacional. Os efeitos da crise em nossa economia fizeram o termo sair de moda. Foi substituído por expressão mais terna, marolinha. Com o bicho-papão corroendo o mercado financeiro lá fora (na verdade o sistema financeiro central quebrou) há certo aturdimento. Não se sabe com que palavras qualificar o que anda pelo mundo: recessão prolongada, depressão, fim do unilateralismo americano na política, multipolaridade, não polaridade, etc. Por aqui o governo prefere passar em marcha batida sobre o que nos azucrina.

Em vez de desenhar quadros sombrios ou róseos para o mercado, faz o decoupling à moda brasileira: descola a economia da política, precipita o debate eleitoral e, nele, vale o discurso vazio.

É verdade que não somos os únicos a encobrir as angústias apelando a gestos sem conotação, sequer alusiva, aos fatos e circunstâncias. Basta mencionar a campanha bolivariana pela reeleição perpétua, uma quase caricatura da política. O significado da democracia se esboroou na “consulta popular”. Se o povo quer o bem-amado para sempre, pois que o tenha e, como disse nosso presidente Lula, se a prática ainda não é boa para o Brasil é questão de tempo. Quando a cidadania amadurecer encontrará a fórmula de felicidade perpétua…

Assisti na TV, por acaso, o último comício eleitoral do presidente Chavez em Caracas e, confesso, fascinei-me. Ele chegou, simpático como sempre, um pouco mais gordo que o habitual, vestindo camisa-de-meia vermelha, abraçando a toda gente, sorrindo, e foi direto ao ponto: “hoje não falarei muito, vamos cantar!”disse. E entoou uma canção amorosa de melodia fácil, repetindo o refrão “amor, amor, amor…” Conversou com um ou outro no palanque incitando-o a também cantar, falou familiarmente com a plateia e finalizou: amor é votar sim no domingo! Por mais que no plano pessoal possa sentir até estima pelo personagem, não pude deixar de reconhecer no estilo algo que nos é habitual: o modelo Chacrinha de animação de auditório. Funciona, e como!

O descolamento entre a política e a realidade das pessoas (não só a economia), a repetição simbólica de gestos que guardam pouca relação com um ambiente racional, mas “ligam” o ator com a plateia e com a “sociedade”, está se tornando regra nas atuais democracias de massas.

Há algo de encantatório no modo pelo qual a política do gesto sem palavras (ou no quais as palavras contam menos do que a forma) funciona substituindo o discurso tradicional. Quando me recordo do “sangue, suor e lágrimas” dito por Churchill ao tornar-se primeiro-ministro em plena guerra contra o nazismo, do discurso em Fulton quando disse que uma “Cortina de Ferro descia sobre a Europa”, ou de vários pronunciamentos de Roosevelt como o de posse em plena Depressão, célebre pela frase “nada há a temer, exceto o próprio medo” ou ainda de Getúlio Vargas no estádio do Vasco da Gama apelando aos trabalhadores, e comparo com a retórica atual, há um abismo a separá-los.

E não se diga que é fenômeno de países de “democracia pouco amadurecida”. A entronização de Obama como Imperador de todos os americanos, na magnífica posse no Capitólio, se assemelhava a uma grande cena romana. O cenário era tão expressivo, a fusão simbólica do recém eleito com os founding fathers e com os valores fundamentais da democracia americana eram tão fortes, que obscureceram o conteúdo do discurso inaugural. E isso no caso de alguém que, por sua cor e mesmo por sua campanha, trouxe um significado imenso de renovação.

Ainda esta semana, na primeira visita presidencial ao Congresso, o que foi dito sobre a crise econômica e sobre o futuro foi menos importante do que o reafirmar o “yes, we can”, em um cenário da pátria unida para perpetuar sua glória. Mesmo que o castelo financeiro esteja desabando, a América vencerá, era a mensagem. No caso, nada a ver com Chacrinha, o símile é outro: a invocação do pastor, a reafirmação da fé, e não a troca simbólica de favores, do bacalhau, da bolsa família ou da canção de amor.

Faço esses comentários despretensiosos porque me preocupa o que possa vir a ocorrer no Brasil. A mídia e a sociedade cobram um discurso de oposição. Diz-se, e é certo, que ela deve unir-se se quiser vencer. Mas, que discurso fazer? O racional, da crítica ao desmanche das instituições, do enlameamento cotidiano da política, deveria ganhar mais vigor, dizem. O grito de Jarbas Vasconcellos estava parado no ar e sua entrevista em VEJA deu-lhe um sopro de vida. Mas foi o próprio senador quem mostrou os limites desse tipo de protesto: o governo e o próprio presidente banalizaram o dá-cá-toma-lá. É como nos computadores quando se envia um e-mail e surge o aviso: a caixa está cheia. A caixa da revolta dos brasileiros contra o mau uso da política parece estar cheia. Temo que qualquer discurso “político” seja logo desqualificado pelos ouvintes.

Quer isso dizer que as oposições devam silenciar sobre a perda de substância das instituições, sobre o clientelismo e a corrupção larvar, tudo com a leniência de quem manda? Não. Mas precisam inventar uma maneira de comunicar a indignação e as críticas que toque na alma das pessoas.

Este é o enigma da mensagem política, de governo ou de oposição. Tanto o modelo-chacrinha como o do discurso de pregador chega à alma das pessoas. Não estou dizendo que a comunicação política se resolve pela supressão do discurso analítico. Isso seria rendermo-nos a ideia da política como mistificação (o que, aliás, não é o caso de Obama). Mas quando se dispõe de um ícone, como o Plano Real, por exemplo, ou quando o próprio candidato é um ícone, tudo fica mais fácil.

Em nosso caso, as oposições, além de articularem um discurso programático, condição necessária para quem se respeita e acredita nas instituições, deverão expressá-lo de forma a sensibilizar o eleitorado. Para tal, não basta a crítica convencional e a discussão da política, tal como ela ocorre no Congresso, nos partidos e na mídia. É preciso buscar os temas da vida que interessem ao povo.

Ademais a comunicação emotiva requer “fulanizar” a disputa para atribuir ao candidato virtudes que despertem o entusiasmo e a crença. Sem eles, a “caixa de entrada” das mensagens da sociedade continuará a dar o sinal de estar cheia e os ouvidos continuarão moucos aos conteúdos, por melhores que sejam. Pior ainda se não os tivermos. Mas só eles não bastam. Programa político só mobiliza a sociedade quando é vivido por intermédio do desempenho de personagens que tratam como próprias as questões sentidas pelo povo.

Por Fernando Henrique Cardoso

A desmoralização da mentira

Imagino que muita gente ainda se lembre de Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara.
Os dois pugilistas cubanos tentaram desertar durante os Jogos Panamericanos do Rio de janeiro em julho de 2007. Pretendiam seguir para a Alemanha, já com promessa de contrato.
Entretanto, foram presos pela Polícia Federal e imediatamente deportados. Um avião posto à disposição do governo cubano pelo presidente da Venezuela Hugo Cháves levou os pugilistas de volta para Cuba.
Criticado pela sofreguidão do governo brasileiro em “prestar um favor” a Fidel Castro, o ministro da Justiça Tarso Genro declarou que os cubanos tinham expressado a vontade de voltar para a casa, para a família.
Em Cuba, os pugilistas foram sumariamente excluídos da seleção nacional de Cuba e proibidos até de treinar.
Pois a farsa não durou nem seis meses. Erislandy Lara fugiu para a Alemanha, deixando a família para trás.
Recentemente, o caso dos dois cubanos voltou ao noticiário no Brasil, depois que o ministro da Justiça, contrariando todos os pareceres e decisões de instâncias especializadas, decidiu, monocraticamente, conceder status de refugiado político ao italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país por ter cometido quatro assassinatos.
Sua Excelência o ministro Tarso Genro continuou sustentando a farsa de que os cubanos estavam doidinhos para voltar para casa, mortos de saudade das famílias.
Esta semana, a farsa desmoronou de vez. Guillermo Rigondeaux também fugiu, deixando mulher e filho — a mulher apoiou inteiramente a fuga. Está na Flórida e parte em breve para a Alemanha, para se reunir a outros pugilistas cubanos, Erislandy Lara entre eles.
E agora, o que se pode dizer das afirmações categóricas do ministro da Justiça? No mínimo, que sua Excelência mantém relações cerimoniosas com a verdade.
Não sei não, mas certas pessoas não desmoralizam apenas a verdade. Conseguem desmoralizar a mentira.
Por Lúcia Hippolito (cientista política)