O Brasil acima da lei

Em referência aos 25 anos do fim do regime militar, a BBC elaborou interessante reportagem que analisa a democracia brasileira.

Ao acolher a opinião principalmente de vários cientistas políticos, a matéria fixa o entendimento de que temos uma democracia eleitoral plena e acima de qualquer suspeita no que se refere à legitimidade das urnas.
No entanto, o sistema brasileiro ainda é pleno de defeitos sociais e políticos.

Entre os “gargalos” que limitam a democracia, os especialistas apontaram uma série de argumentos válidos como a incapacidade estatal de prover com qualidade serviços essenciais, a exemplo da educação, e os altos indicadores de pobreza. No plano político ressaltaram os vários problemas de funcionamento do Parlamento.
Neste aspecto foi mencionada a sobreposição de poder no processo legislativo. De acordo com dados do Departamento de Ciência Política da USP, entre os anos 1995 e 2006, 85,5% das matérias aprovadas na Câmara dos Deputados foram de iniciativa do Governo Federal. A se considerar que o restante só se converte em lei com o assentimento do Palácio do Planalto, fica evidente a função de vassalagem prestada pelos parlamentares. Subserviência conveniente já que o rebaixamento é recompensado por inúmeras vantagens, até pecuniárias como demonstrou o mensalão.

Outro problema que se ressalta é a dificuldade de composição de maioria parlamentar para governar, o que acaba por produzir coalizões frankensteinianas, para usar terminologia menos agressiva sobre os monstrengos gosmentos produzidos no ambiente político brasileiro. Neste sentido, é bastante pertinente a análise que o instituto independente de Nova York, Freedom House, faz da política brasileira.

Fundada em 1941, a Freedom House teve Eleonor Roosevelt como primeira presidente honorária. A organização é espécie de cão de guarda da democracia no mundo, com extensa folha de serviços prestados no combate às ditaduras na América Latina, ao comunismo no período de dominação soviético na Europa Central e Oriental e ao totalitarismo religioso na África e no Oriente.

No Mapa da Liberdade 2010, a instituição situa o Brasil ao lado das grandes democracias do mundo, mas mostra os nossos defeitos institucionais. O principal deles é a corrupção endêmica que contamina todos os poderes. O favorecimento ilegal é a medula da governabilidade no País.

Por seu intermédio se opera o grande negócio do capitalismo brasileiro e até mesmo se manipula a ordem jurídica por conta dos desvios de conduta dentro do Judiciário.

A Freedom House aponta que trama contra a democracia nacional o poder das organizações criminosas apoiadas na capacidade armada do tráfico de drogas. O instituto lembra que a estrutura policial é também corrupta, violenta e insubordinada às normas de correição, enquanto o sistema penitenciário é absolutamente anárquico. Embora pertinente a análise não apresenta nenhum defeito novo.

Certamente, o Brasil terá ainda longo caminho para operar a transição da democracia formal para o regime de pleno Estado de Direito. É preciso realmente reduzir as desigualdades, acabar com a pobreza, ter governo eficaz e sistema político representativo. Alcançado todo esse Brasil imaginário, o País ainda continuará bananeiro enquanto houver indivíduos acima da lei. Sobre tal privilégio nada foi dito ou comentado.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

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