Arquivo mensal: outubro 2011

O naufrágio surpreendeu Lula ainda no porão

POLÍTICA
Blog de Augusto Nunes

“Você tem que resistir”, ordenou Lula ao ainda ministro Orlando Silva. Em seguida, o Padroeiro dos Pecadores determinou a Dilma Rousseff que brigasse com os fatos. “Não vou decidir as coisas a reboque da imprensa”, obedeceu a afilhada ─ que, a reboque do padrinho, imaginou que a absolvição simbólica do culpado encerraria o assunto.

Como advertiu um post aqui publicado, só conseguiu adiar por alguns dias o velório inevitável.

Em Manaus, Lula pressentiu o naufrágio iminente. “Esse pessoal do PCdoB nunca me conta tudo”, começou a desconversar o oportunista sem pudores. “Fico sabendo do que está acontecendo pelos jornais”, fantasiou o leitor que sucumbe à azia na segunda linha.

Dado o recado, decolou rumo ao México para continuar a discurseira iniciada em 1978. Foi um erro de cálculo. Deveria ter ficado no Brasil para avisar com todas as letras que caíra fora do barco em perigo.

O naufrágio consumado no fim da tarde desta quarta-feira surpreendeu Dilma Rousseff pendurada no leme, Orlando Silva zanzando pelo convés da segunda classe e Lula fazendo as malas no porão.

Foi o segundo fiasco de bom tamanho em meio ano. Depois de comandar a malograda operação de socorro a Antonio Palocci, o presidente em terceiro mandato voltou à luta para fracassar na resistência no Ministério do Esporte.

A ideia desastrada ampliou as evidências contundentes de que ─ Palocci, Alfredo Nascimento, Wagner Rossi e Pedro Novais (além de Nelson Jobim, demitido por alucinação) ─ também Orlando Silva é um genuíno filhote de Lula. E o desfecho da história comprovou que o campeão de popularidade pode muito, mas não pode tudo.

Não pode, por exemplo, transformar mentira em verdade, bandido em mocinho, quadrilha em entidade beneficente. Se pudesse, não teria estabelecido outro recorde infame: nenhum governante do mundo engoliu tantos despejos de ministros enfiados até o pescoço no pântano da corrupção.

Corrupção


A frequência dos escândalos e o aumento dos casos envolvendo o desvio de recursos públicos levaram 64% dos brasileiros a acreditar que a corrupção aumentou nos últimos três anos, ou seja, de cada 10 pessoas, seis acreditam que a corrupção cresceu. O índice mundial de percepção, no entanto, permaneceu inalterado na comparação com 2009. O Brasil ocupa a 69ª posição no Ranking de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional com uma pontuação de 3,7 em uma escala de zero a dez, em que dez indica que os servidores são percebidos pela população como pouco corruptos e zero corresponde à percepção de corrupção disseminada. Em 2009, o Brasil ocupava o 75º lugar entre 180 países no ranking. Já a pesquisa Barômetro Global da Corrupção 2010, da Organização Transparência Brasil, os partidos políticos, o poder Legislativo e os policias (especialmente os estaduais) estão entre os mais corruptos.

Enquanto isso, as denúncias no poder público não param de surgir. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitavam nos tribunais federais, em 2010, 2804 ações de crimes de corrupção, improbidade administrativa e lavagem de dinheiro, enquanto nos estaduais, 10104. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no ano passado, a corrupção teria causado a perda de recursos entre aproximadamente R$ 50,8 bilhões e R$ 84,5 bilhões. Considerando só o valor mínimo, seria suficiente a compra de 160 milhões de cestas básicas, ou a construção de 918 mil casas, ou ainda, 57 mil escolas.

O esporte mais popular do Brasil


Você achou que era o futebol? Não é. Nosso esporte mais popular é a corrupção. O time de maior prestígio e mais bem remunerado é o BCC, Brasília Corrupção Clube. Seus estádios são verdadeiros palácios, com subsedes imponentes. Uma pena que, mesmo com ingresso de graça, as arquibancadas estejam quase sempre vazias, a não ser que os jogadores entrem em campo em benefí$io próprio ou tenham algum companheiro ameaçado por cartões vermelhos. Aí, as torcidas lotam o recinto e reúnem jovens furiosos a gaviões fiéis. Confraternizam, xingam e chegam a entrar no tapa.

Há os atacantes que disputam, aos trancos e barrancos, até o fim do Segundo Tempo. E os zagueiros que já deveriam ter pendurado as chuteiras no século passado, mas insistem na prorrogação. O “bicho”, nesse torneio, é a propina. Tem muito empurra-empurra. Já foram expulsos cinco neste ano da Seleção, e o sexto estava na marca do pênalti aguardando o apito da juíza.

O maior medo dos jogadores é sofrer um “drible da vaca”. É um daqueles dribles humilhantes em que o jogador, de frente para o oponente, toca ou chuta a bola para um lado e corre para o lado oposto, buscando a bola novamente. Em política, é comum. Você faz de conta que dá todo o apoio ao coitado, mas o faz de bobo. E, quando o outro percebe, já foi até substituído. Nesse Brasileirão de impedimentos, quem rouba não é o juiz. (Até é também, mas o campeonato é outro, superior – os atletas jogam de toga e o uniforme faz a diferença, que o diga a juíza dos árbitros Eliana Calmon, que denunciou bandidos em campo.)

Poderíamos recorrer apenas ao humor, e não à indignação, mas o assunto é muito sério.

Só no Brasil uma arte milenar chinesa como o kung fu acaba usada pelo Ministério do Esporte para desviar milhões de reais de dinheiro público. Dinheiro meu e seu destinado a material esportivo para crianças e jovens. O que se rouba em nome dos carentes e destituídos é vergonhoso. Não sei quase nada de kung fu, a não ser que há golpes mortais. Mas, no Brasil, o golpe é de grana mesmo.

O enlameado desta vez foi o ministro Orlando Silva, titular da pasta mais estratégica para um país que sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada. Foi surpresa? Silva comprou em 2008 por R$ 8,30 uma tapioca recheada de queijo coalho e manteiga da terra com um cartão corporativo. Foi “por engano” e ele devolveu o dinheiro. Ficou feio. Mais um ministro que Dilma Rousseff herdou de seu mentor Lula, o presidente mais complacente, boa-praça e popular da história, corintiano roxo e amante das metáforas futebolísticas. Lula chegou a telefonar ao ministro, expressando sua solidariedade.

O time com mais prestígio e dinheiro é o Brasília Corrupção Clube. O “bicho” para eles é a propina

Quem acusou Silva é um desclassificado. Soldado da Polícia Militar, João Dias é ex-militante do PCdoB, o mesmo partido do ministro, e dono de ONGs de kung fu com sede em Brasília. Tem mansão incompatível com seu salário e três carros importados na garagem: um Camaro, um Volvo e um BMW. Só começou a enriquecer quando se aliou a um grupo do PCdoB, então liderado pelo governador Agnelo Queiroz. Fez convênios com o Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva por cinco anos.

João Dias foi intimado pelo Ministério Público a devolver R$ 4 milhões aos cofres públicos. É rico, temido e suspeito.

Silva tentou se defender dizendo que queriam tirá-lo “no grito”, sem provas materiais. Seria a palavra de um contra o outro. Mas por que ele assinou convênios com João Dias? Teria sido iludido pelo soldado kung fu? Nenhum ministro cai por um único depoimento.

A folha corrida de Silva nos últimos anos afetou a rodada da semana. A União cobra a devolução de R$ 49 milhões desviados em convênios irregulares do Ministério do Esporte. É pouco? Esse dinheiro não vai reaparecer.

Quanto o PCdoB ganhou não se sabe, mas um pouco deve ter sido gasto na campanha que o partido maoista deslanchou na TV, dizendo que nada mancharia uma legenda criada “para estar ao lado do povo”. Ah, esse povo merecia mais.

E Dilma com isso? Para ela, foi oportuno estar na África. Driblou o ministro ao chegar na quinta-feira à noite. Em seu morde-assopra costumeiro, a presidente condenou qualquer tipo de “apedrejamento moral”. Tudo como manda o figurino. Mas já tinha deixado claro que não faria nenhum esforço para Silva ficar. Dilma criticou a demonização do PCdoB. E não poderia agir diferente.

O PCdoB comanda a pasta do Esporte há nove anos, desde o início do mandato de Lula. É um partido que nasceu em 1962 de um racha comunista, com fama de “pequeno mas ideológico”. Sua ideologia aparentemente mudou. Sua marca ainda são a foice e o martelo cruzados, simbolizando a aliança de operários e os camponeses. Ah, os operários e os camponeses mereciam mais.

Por RUTH DE AQUINO

Serial crise

POLÍTICA

Dora Kramer , O Estado de S. Paulo

A quantidade recorde de seis ministros afastados em menos de dez meses de governo quer dizer o quê?

Depende. O governo certamente gostaria que a interpretação lhe fosse a mais favorável possível. Adoraria que as pessoas concluíssem que a presidente Dilma Rousseff não aceita “malfeitos”.

A cena, porém, pode ser vista por outros ângulos. Um deles indica que a presidente não sabe escolher auxiliares.

Outro mostra que ela falha visivelmente no quesito imposição de critérios para nomeações, com a evidência de que o governo não faz nenhuma triagem nos nomes que lhe são submetidos como política e partidariamente mais convenientes.

Há ainda a infeliz coincidência de todos os demitidos até agora terem sido indicações sustentadas pelo ex-presidente Lula, o que não alivia a responsabilidade de quem deve, de fato e de direito, responder pelo bom andamento dos trabalhos governamentais.

A hipótese mais plausível, no entanto, é a mais simples: o governo nasceu velho, carcomido de vícios herdados e que foram aprofundados ao longo dos oito anos de gestão Lula e mantidos inalterados.

À força da inércia juntou-se a convicção de que a vitória eleitoral acrescida da aprovação popular ao desempenho dos governos Lula e Dilma indicavam que nada precisava ser mudado. Ou, por outra: era necessário que nada fosse mudado.

A realidade está mostrando o quanto de autoengano há nessa conclusão. Apoio popular expresso em pesquisas de opinião não quer dizer que tudo vá bem.

Significa que as pessoas se sentem satisfeitas quando olham a situação como um todo, mas não pode ser interpretado como um aval para que a administração seja tocada de qualquer maneira, sem a observância de parâmetros mínimos de legalidade.

Até porque o público não dispõe de todas as informações. Já o governo, melhor do que ninguém, sabe como as coisas funcionam (ou não funcionam).

Governos sabem que se rouba e quando não tomam providências para desmontar as “igrejinhas” cujos dízimos são as verbas públicas, francamente, não há outra conclusão possível: é porque deixam roubar.

Muito já se falou sobre isso, mas é bom repetir: demitir Orlando, João ou José não resolve o problema, que não está só nas pessoas físicas. O diabo mora mesmo é nas jurídicas que, pela lógica da troca de seis por meia dúzia, seguem sem ser importunadas.

Motivação. É possível que a presidente Dilma tenha saudade do tempo (não faz muito) em que demitia gente por crime de opinião.

Como ocorreu no início do governo com Pedro Abramovay, demitido da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas por defender penas alternativas para criminosos de pequeno porte.

Hoje, com tanta gente caindo por denúncias de corrupção, algo parecido soaria risível.

Documento. Tancredo, a Travessia – dirigido por Silvio Tendler e produzido por Roberto D’Ávila – remete a uma época em que política era coisa de profissional, no bom sentido.

Havia líderes, engajamento, articulação, propósitos, causas e, sobretudo, partidos interessados em algo além de dinheiro público: seja na forma de emendas ao Orçamento, de verbas para financiar fundos e programas de televisão ou na modalidade “heavy metal” da tomada de assalto a ministérios.

Não fosse por outros, o documentário, que entra no circuito amanhã, já teria o mérito de mostrar à juventude que outra forma de fazer política é possível.

Gato comeu. A nota Inglês ver saiu ontem sem a parte final. Desprovida, portanto, de conclusão e de sentido.

Eis a íntegra: “Veja o leitor como o Congresso dança conforme a música que toca o Palácio do Planalto: há pouco mais de dois meses senadores lançaram a Frente Suprapartidária contra a Corrupção e a Impunidade, em apoio à dita “faxina” ética da presidente. O governo tomou outro rumo e a Frente emudeceu.

O naufrágio surpreendeu Lula ainda no porão

POLÍTICA
Blog de Augusto Nunes

“Você tem que resistir”, ordenou Lula ao ainda ministro Orlando Silva. Em seguida, o Padroeiro dos Pecadores determinou a Dilma Rousseff que brigasse com os fatos. “Não vou decidir as coisas a reboque da imprensa”, obedeceu a afilhada ─ que, a reboque do padrinho, imaginou que a absolvição simbólica do culpado encerraria o assunto.

Como advertiu um post aqui publicado, só conseguiu adiar por alguns dias o velório inevitável.

Em Manaus, Lula pressentiu o naufrágio iminente. “Esse pessoal do PCdoB nunca me conta tudo”, começou a desconversar o oportunista sem pudores. “Fico sabendo do que está acontecendo pelos jornais”, fantasiou o leitor que sucumbe à azia na segunda linha.

Dado o recado, decolou rumo ao México para continuar a discurseira iniciada em 1978. Foi um erro de cálculo. Deveria ter ficado no Brasil para avisar com todas as letras que caíra fora do barco em perigo.

O naufrágio consumado no fim da tarde desta quarta-feira surpreendeu Dilma Rousseff pendurada no leme, Orlando Silva zanzando pelo convés da segunda classe e Lula fazendo as malas no porão.

Foi o segundo fiasco de bom tamanho em meio ano. Depois de comandar a malograda operação de socorro a Antonio Palocci, o presidente em terceiro mandato voltou à luta para fracassar na resistência no Ministério do Esporte.

A ideia desastrada ampliou as evidências contundentes de que ─ Palocci, Alfredo Nascimento, Wagner Rossi e Pedro Novais (além de Nelson Jobim, demitido por alucinação) ─ também Orlando Silva é um genuíno filhote de Lula. E o desfecho da história comprovou que o campeão de popularidade pode muito, mas não pode tudo.

Não pode, por exemplo, transformar mentira em verdade, bandido em mocinho, quadrilha em entidade beneficente. Se pudesse, não teria estabelecido outro recorde infame: nenhum governante do mundo engoliu tantos despejos de ministros enfiados até o pescoço no pântano da corrupção.

Corrupção


A frequência dos escândalos e o aumento dos casos envolvendo o desvio de recursos públicos levaram 64% dos brasileiros a acreditar que a corrupção aumentou nos últimos três anos, ou seja, de cada 10 pessoas, seis acreditam que a corrupção cresceu. O índice mundial de percepção, no entanto, permaneceu inalterado na comparação com 2009. O Brasil ocupa a 69ª posição no Ranking de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional com uma pontuação de 3,7 em uma escala de zero a dez, em que dez indica que os servidores são percebidos pela população como pouco corruptos e zero corresponde à percepção de corrupção disseminada. Em 2009, o Brasil ocupava o 75º lugar entre 180 países no ranking. Já a pesquisa Barômetro Global da Corrupção 2010, da Organização Transparência Brasil, os partidos políticos, o poder Legislativo e os policias (especialmente os estaduais) estão entre os mais corruptos.

Enquanto isso, as denúncias no poder público não param de surgir. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitavam nos tribunais federais, em 2010, 2804 ações de crimes de corrupção, improbidade administrativa e lavagem de dinheiro, enquanto nos estaduais, 10104. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no ano passado, a corrupção teria causado a perda de recursos entre aproximadamente R$ 50,8 bilhões e R$ 84,5 bilhões. Considerando só o valor mínimo, seria suficiente a compra de 160 milhões de cestas básicas, ou a construção de 918 mil casas, ou ainda, 57 mil escolas.

O esporte mais popular do Brasil


Você achou que era o futebol? Não é. Nosso esporte mais popular é a corrupção. O time de maior prestígio e mais bem remunerado é o BCC, Brasília Corrupção Clube. Seus estádios são verdadeiros palácios, com subsedes imponentes. Uma pena que, mesmo com ingresso de graça, as arquibancadas estejam quase sempre vazias, a não ser que os jogadores entrem em campo em benefí$io próprio ou tenham algum companheiro ameaçado por cartões vermelhos. Aí, as torcidas lotam o recinto e reúnem jovens furiosos a gaviões fiéis. Confraternizam, xingam e chegam a entrar no tapa.

Há os atacantes que disputam, aos trancos e barrancos, até o fim do Segundo Tempo. E os zagueiros que já deveriam ter pendurado as chuteiras no século passado, mas insistem na prorrogação. O “bicho”, nesse torneio, é a propina. Tem muito empurra-empurra. Já foram expulsos cinco neste ano da Seleção, e o sexto estava na marca do pênalti aguardando o apito da juíza.

O maior medo dos jogadores é sofrer um “drible da vaca”. É um daqueles dribles humilhantes em que o jogador, de frente para o oponente, toca ou chuta a bola para um lado e corre para o lado oposto, buscando a bola novamente. Em política, é comum. Você faz de conta que dá todo o apoio ao coitado, mas o faz de bobo. E, quando o outro percebe, já foi até substituído. Nesse Brasileirão de impedimentos, quem rouba não é o juiz. (Até é também, mas o campeonato é outro, superior – os atletas jogam de toga e o uniforme faz a diferença, que o diga a juíza dos árbitros Eliana Calmon, que denunciou bandidos em campo.)

Poderíamos recorrer apenas ao humor, e não à indignação, mas o assunto é muito sério.

Só no Brasil uma arte milenar chinesa como o kung fu acaba usada pelo Ministério do Esporte para desviar milhões de reais de dinheiro público. Dinheiro meu e seu destinado a material esportivo para crianças e jovens. O que se rouba em nome dos carentes e destituídos é vergonhoso. Não sei quase nada de kung fu, a não ser que há golpes mortais. Mas, no Brasil, o golpe é de grana mesmo.

O enlameado desta vez foi o ministro Orlando Silva, titular da pasta mais estratégica para um país que sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada. Foi surpresa? Silva comprou em 2008 por R$ 8,30 uma tapioca recheada de queijo coalho e manteiga da terra com um cartão corporativo. Foi “por engano” e ele devolveu o dinheiro. Ficou feio. Mais um ministro que Dilma Rousseff herdou de seu mentor Lula, o presidente mais complacente, boa-praça e popular da história, corintiano roxo e amante das metáforas futebolísticas. Lula chegou a telefonar ao ministro, expressando sua solidariedade.

O time com mais prestígio e dinheiro é o Brasília Corrupção Clube. O “bicho” para eles é a propina

Quem acusou Silva é um desclassificado. Soldado da Polícia Militar, João Dias é ex-militante do PCdoB, o mesmo partido do ministro, e dono de ONGs de kung fu com sede em Brasília. Tem mansão incompatível com seu salário e três carros importados na garagem: um Camaro, um Volvo e um BMW. Só começou a enriquecer quando se aliou a um grupo do PCdoB, então liderado pelo governador Agnelo Queiroz. Fez convênios com o Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva por cinco anos.

João Dias foi intimado pelo Ministério Público a devolver R$ 4 milhões aos cofres públicos. É rico, temido e suspeito.

Silva tentou se defender dizendo que queriam tirá-lo “no grito”, sem provas materiais. Seria a palavra de um contra o outro. Mas por que ele assinou convênios com João Dias? Teria sido iludido pelo soldado kung fu? Nenhum ministro cai por um único depoimento.

A folha corrida de Silva nos últimos anos afetou a rodada da semana. A União cobra a devolução de R$ 49 milhões desviados em convênios irregulares do Ministério do Esporte. É pouco? Esse dinheiro não vai reaparecer.

Quanto o PCdoB ganhou não se sabe, mas um pouco deve ter sido gasto na campanha que o partido maoista deslanchou na TV, dizendo que nada mancharia uma legenda criada “para estar ao lado do povo”. Ah, esse povo merecia mais.

E Dilma com isso? Para ela, foi oportuno estar na África. Driblou o ministro ao chegar na quinta-feira à noite. Em seu morde-assopra costumeiro, a presidente condenou qualquer tipo de “apedrejamento moral”. Tudo como manda o figurino. Mas já tinha deixado claro que não faria nenhum esforço para Silva ficar. Dilma criticou a demonização do PCdoB. E não poderia agir diferente.

O PCdoB comanda a pasta do Esporte há nove anos, desde o início do mandato de Lula. É um partido que nasceu em 1962 de um racha comunista, com fama de “pequeno mas ideológico”. Sua ideologia aparentemente mudou. Sua marca ainda são a foice e o martelo cruzados, simbolizando a aliança de operários e os camponeses. Ah, os operários e os camponeses mereciam mais.

Por RUTH DE AQUINO

Serial crise

POLÍTICA

Dora Kramer , O Estado de S. Paulo

A quantidade recorde de seis ministros afastados em menos de dez meses de governo quer dizer o quê?

Depende. O governo certamente gostaria que a interpretação lhe fosse a mais favorável possível. Adoraria que as pessoas concluíssem que a presidente Dilma Rousseff não aceita “malfeitos”.

A cena, porém, pode ser vista por outros ângulos. Um deles indica que a presidente não sabe escolher auxiliares.

Outro mostra que ela falha visivelmente no quesito imposição de critérios para nomeações, com a evidência de que o governo não faz nenhuma triagem nos nomes que lhe são submetidos como política e partidariamente mais convenientes.

Há ainda a infeliz coincidência de todos os demitidos até agora terem sido indicações sustentadas pelo ex-presidente Lula, o que não alivia a responsabilidade de quem deve, de fato e de direito, responder pelo bom andamento dos trabalhos governamentais.

A hipótese mais plausível, no entanto, é a mais simples: o governo nasceu velho, carcomido de vícios herdados e que foram aprofundados ao longo dos oito anos de gestão Lula e mantidos inalterados.

À força da inércia juntou-se a convicção de que a vitória eleitoral acrescida da aprovação popular ao desempenho dos governos Lula e Dilma indicavam que nada precisava ser mudado. Ou, por outra: era necessário que nada fosse mudado.

A realidade está mostrando o quanto de autoengano há nessa conclusão. Apoio popular expresso em pesquisas de opinião não quer dizer que tudo vá bem.

Significa que as pessoas se sentem satisfeitas quando olham a situação como um todo, mas não pode ser interpretado como um aval para que a administração seja tocada de qualquer maneira, sem a observância de parâmetros mínimos de legalidade.

Até porque o público não dispõe de todas as informações. Já o governo, melhor do que ninguém, sabe como as coisas funcionam (ou não funcionam).

Governos sabem que se rouba e quando não tomam providências para desmontar as “igrejinhas” cujos dízimos são as verbas públicas, francamente, não há outra conclusão possível: é porque deixam roubar.

Muito já se falou sobre isso, mas é bom repetir: demitir Orlando, João ou José não resolve o problema, que não está só nas pessoas físicas. O diabo mora mesmo é nas jurídicas que, pela lógica da troca de seis por meia dúzia, seguem sem ser importunadas.

Motivação. É possível que a presidente Dilma tenha saudade do tempo (não faz muito) em que demitia gente por crime de opinião.

Como ocorreu no início do governo com Pedro Abramovay, demitido da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas por defender penas alternativas para criminosos de pequeno porte.

Hoje, com tanta gente caindo por denúncias de corrupção, algo parecido soaria risível.

Documento. Tancredo, a Travessia – dirigido por Silvio Tendler e produzido por Roberto D’Ávila – remete a uma época em que política era coisa de profissional, no bom sentido.

Havia líderes, engajamento, articulação, propósitos, causas e, sobretudo, partidos interessados em algo além de dinheiro público: seja na forma de emendas ao Orçamento, de verbas para financiar fundos e programas de televisão ou na modalidade “heavy metal” da tomada de assalto a ministérios.

Não fosse por outros, o documentário, que entra no circuito amanhã, já teria o mérito de mostrar à juventude que outra forma de fazer política é possível.

Gato comeu. A nota Inglês ver saiu ontem sem a parte final. Desprovida, portanto, de conclusão e de sentido.

Eis a íntegra: “Veja o leitor como o Congresso dança conforme a música que toca o Palácio do Planalto: há pouco mais de dois meses senadores lançaram a Frente Suprapartidária contra a Corrupção e a Impunidade, em apoio à dita “faxina” ética da presidente. O governo tomou outro rumo e a Frente emudeceu.

Dilma volta à encruzilhada ética (Editorial)

Política
O Globo

O incentivo de Lula para que Orlando Silva e PCdoB resistam confirma a visão do ex-presidente de que o importante é a manutenção da base parlamentar. Às favas com a ética. Se este for o preço a pagar para a manutenção de votos no Congresso, que seja.

E assim o lulopetismo segue a empurrar a vida pública brasileira para os níveis éticos mais baixos desde a redemocratização, em 1985.

Afinal, Lula não aconselha os aliados a resistir a uma vil campanha de difamação, mas a uma impressionante enxurrada de fatos concretos sobre como o partido manipula verbas do ministério para transferir recursos a ONGs companheiras, tudo indica para abastecer o caixa 2 do partido e de filiados.

A ponto de o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedir ao Supremo abertura de inquérito sobre a atuação de Orlando Silva no ministério, e do antecessor, Agnelo Queiroz, ex-PCdoB, governador de Brasília pelo PT. Gurgel não escondeu a surpresa com a escala nacional das operações de desvio.

Como no mensalão — diante do qual Lula fraquejou, ao dizer que fora traído, para depois negar a existência do esquema —, vale, na visão lulopetista, a defesa dos fins, a serem alcançados não importam os meios.

Repete-se, também, de alguma maneira, a moldura do mensalão, em que o apoio de partidos foi literalmente comprado, e com o uso de dinheiro público (Banco do Brasil/Visanet). Se no Turismo de Pedro Novais, nos Transportes de Alfredo Nascimento, na Agricultura de Wagner Rossi e no Esporte de Orlando Dias/Agnelo não parece haver a existência da sofisticada lavanderia de dinheiro sujo projetada, construída e terceirizada por Marcos Valério, pelo menos a finalidade da atuação desses ministros não difere do mensalão: desviar dinheiro público para fins privados, partidários ou não.

Outra semelhança da atual safra de escândalos com o mensalão é que também no Esporte a denúncia partiu de alguém do esquema que resolveu falar na tentativa de se proteger e se vingar de companheiros que o abandonaram.

O exótico PM João Dias, ex-militante do PCdoB, atirou contra o ministro, alega, por não receber ajuda num processo de cobrança de dinheiro por ele desviado; já Roberto Jefferson decidiu acusar José Dirceu ao perceber que ele e seu partido, o PTB, seriam responsabilizados por desmandos nos Correios.

Orlando Dias se manteve no cargo depois de conversar com Dilma na sexta, mas o Palácio avisa que o assunto ainda está sob avaliação. A presidente volta a estar diante da encruzilhada: fazer vista grossa, e ser incoerente com os desfechos anteriores, ou reafirmar a preocupação com um mínimo de ética na administração pública.

A crise no Esporte tem características semelhantes ao escândalo nos Transportes, em que também um partido (PR) conduzia o espetáculo da corrupção. É o que acontece no Esporte, onde o PC-do B — para desgosto de antigos militantes comunistas — atua como draga na sucção de dinheiro do Tesouro para financiar projetos partidários e/ou pessoais.

Daí apenas a saída do ministro não ser suficiente para moralizar a Pasta. As ventosas do PCdoB teriam de ser desacopladas do orçamento do ministério.

Afirma-se que será acompanhada a resistência de Orlando Silva à divulgação de denúncias. Errado. O Planalto deve é formar uma opinião sobre fatos, independentemente do que a imprensa profissional divulgue.

O que houve?


De repente, mesmo de modo tímido, os brasileiros começaram a sair às ruas para protestar contra a corrupção que nos últimos anos nos transformou numa das maiores cleptocracias do planeta.

Mas o que levou os cidadãos – poucos ainda – a essa atitude?

Nos últimos anos o brasileiro assistiu passivamente à roubalheira institucional, à impunidade e a um verdadeiro culto à ladroagem oficial. Quando tudo indicava que o cidadão perdera a capacidade de indignar-se e de ruborizar-se diante do tsunami de corrupção que tomava conta do país, eis que ele começa a dizer que não aceita esse estado de coisas.

Durante mais de oito anos o que se viu foi uma tolerância e uma quase consagração em relação àqueles que saqueavam e ainda saqueiam os cofres públicos. O presidente da República não apenas protegia mas também pedia desculpas aos que por pressão da imprensa caiam fora do governo sob acusação de corrupção. Chegou a beijar as mãos de um deles em praça pública. A apatia era geral. Nem mesmo a Igreja protestava. Agora já começa a reagir dos púlpitos (ainda existem?).

Analistas creditam esse reencontro da sociedade com a vergonha na cara às demonstrações da presidente Dilma Rousseff de que, ao contrário do seu antecessor e de muito figurão da sua base aliada de hoje, não compactua nem tolera a corrupção no seu governo.

A demissão de quatro ministros acusados de meterem a mão no da gente parece ter começado a despertar no brasileiro a esperança de que o Brasil tem jeito e que vale a pena brigar para isso.

O povo foi às ruas, de forma ainda tímida, não se misturando com políticos nem com as famosas organizações financiadas com o dinheiro público para bater palmas ao poder e promover a baderna, invasões de propriedades e outros desmandos. Dilma pode ter dado a partida para algo nunca visto na história recente deste país.

O povo começa a mostrar que está ao lado dela nessa busca da recuperação da dignidade nacional. É claro que ela não pode agir açodadamente. Há que ter cautela, pois se começar a demitir tudo o que é corrupto acaba apeada do poder.

O povo precisa mostrar que não aceita mais que a companheirada continue saqueando os cofres públicos. E a melhor maneira de fazer isso é sair às ruas, gritando, sem baderna, que chega de rapinagem, mostrando que está ao lado de qualquer governante sério. Sem esquecer de que já no próximo ano pode começar a demitir da vida pública os maus políticos, bastando para isso saber usar aquela teclazinha da urna eletrônica.

Rangel Cavalcante